A Professora de Piano (Rafael)

9 abril, 2008 at 12:39 am 6 comentários

Pôster

A Professora de Piano (La Pianiste), 2001, França/Áustria, Michael Haneke.

Antes de tudo, imagine uma professora de piano.

Qual imagem sua imaginação produz e a quais palavras seu cérebro remete? Muito provavelmente, a visão gerada será a de alguém elegante, de meia-idade, cuidadosamente bem vestida, transbordando sobriedade e educação, envolta em uma atmosfera de bons costumes e classicismo. Mas se o que você imaginou foi uma mulher extremamente perfeccionista e retraída, asfixiada por seus desejos reprimidos e pela mãe controladora, e que sente prazer ao cortar seu próprio órgão genital com uma navalha, então: 1) você já assistiu A Professora de Piano; 2) a professora com a qual você tomava aulas há alguns atrás é, digamos, um tanto quanto diferente do habitual.

A descrição acima feita é um resumo breve da personagem Erika, interpretada magnificamente por Isabelle Huppert, protagonista do sexto filme do diretor austríaco Michael Haneke. A Professora de Piano foi lançado no ano de 2001 com uma produção franco-austríaca (o filme é falado em francês). O roteiro do longa tem como base o livro homônimo da escritora Elfriede Jelinek, a qual em 2004 foi premiada com o Prêmio Nobel de Literatura. Em diversas vezes, diretor e respectivo elenco do filme subiram em palcos europeus para receber prêmios importantes de cinema: BAFTA, César, Festival de Cannes, entre outros.

Música clássica, voyeurismo, ciúmes, castração materna, repressão sexual, parafilias etc. Está tudo lá. A Professora de Piano é um procedimento cirúrgico que tem como objetivo dissecar a vida da personagem Erika Kohut, uma das professoras de piano do Conservatório de Viena. Durante a cirurgia, executada friamente pelas mãos do Haneke, visceras e pensamentos reprimidos no sub-consciente ficam bem visíveis aos nossos olhos. Além de Erika, há mais dois personagens importantes: Walter Klemmer (Benoît Magimel), um talentoso e simpático estudante que parece ser seduzido pela severidade do olhar de Erika, e a mãe da professora (Annie Girardot), senhora que parece substituir a ausência do marido por possessividade para com sua filha, tratando-a como uma garota de 12 anos e mantendo com ela uma relação de amor e ódio levada ao extremo de ambos os lados.

Para o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, “Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é”. Erika Kohut leva tudo issso ás últimas consequências. Incesto, mutilar a própria vagina, urinar observando casais transando, ser espancada e se submeter a situações humilhantes é o que causa prazer à professora de piano. Erika, assim como todos nós, somos produtos de uma sociedade que idolatra e ao mesmo tempo condena o sexo. É como o Deus cristão, segundo o Diabo interpretado por Al Pacino: “olhe mas não toque; toque mas não prove; prove mas não engula”. Haneke, durante o filme, não faz qualquer tipo de juízo moral em relação ao comportamento de Erika, muito menos provoca o espectador a fazê-lo. Os questionamentos e as feridas cutucadas, ao menos em mim, foram outras: de quem é a culpa pelo desvio sexual de Erika? Se há um culpado, seria Erika vítima de algo? Não seria o sexo através de suas formas mais tradicionais também um “desvio”, já que biologicamente a relação sexual tem como função primordial a reprodução humana? Mas sentir prazer e dor não deveriam ser sentimentos conflitantes para uma pessoa mentalmente saudável? Ad infinitum…

A trilha sonora, acompanhada por uma fotografia sutil e seca, é composta por compositores eruditos, citados diversas vezes durante o longa, destacando-se Schumann, Bach e Schubert. Isabelle Huppert, na pele da personagem-título, tem uma atuação impressionante, sem dúvida nenhuma uma das melhores interpretações femininas que o cinema já presenciou. A personalidade retraída de Erika exigiu ainda mais da atriz, pois ela tinha que se comunicar muitas vezes usando apenas suas expressões faciais. Outro fator que deve ter dificultado bastante o trabalho de todo o elenco são as longas tomadas e com poucos cortes de Michael Haneke, que obriga o ator/atriz a manter-se concentrado por mais tempo.

O diretor austríaco mais uma vez merece palmas. Sua formação em Psicologia explica muita coisa sobre sua maneira de dirigir. O cinema de Haneke é provocativo, contundente, violento. No entanto, a violência dos seus filmes não se encontra no filme em si, mas na indução da imaginação do espectador. Aqueles que não assistiram aos outros filmes do diretor (Caché, Código Desconhecido, Violência Gratuita etc.) talvez estranhem seu modo seco e contundente de dirigir e o final em aberto. Mas, tratando-se de Haneke, “estranhar” pode ser uma experiência fantástica.

“Professora, relaxe, permita-se ter sentimentos ao menos uma vez”.

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Obrigado por Fumar (Filipe) Estômago (Filipe)

6 Comentários Add your own

  • 1. Filipe  |  10 abril, 2008 às 8:08 pm

    bom texto. o estilo do haneke é interessante, mas no pouco que eu vi, ainda não foi um diretor que me fez querer assistir mais e mais da sua filmografia

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  • 2. Jana  |  27 abril, 2008 às 7:30 pm

    rapaaaaaaaaaz
    gosteiii do post
    vô até v o filmeee !!
    =PPP

    Responder
  • 3. ***  |  22 maio, 2008 às 3:53 pm

    bastante legal o seu comentário. Diria que o filme realmente foge de qualuqer expectativa sobre o seu título. Agora, mesmo vc enfocando na questão do sexo- fato bastante explorado durante o filme. Eu acho que a história se concentra mais no modo de como a personagem se vê e como ela age a partir de sua visão. O contexto sexual, eu diria que seria uma capa de fundo pra toda essa confusão do seu modo de reprodução como ente social…. bom, acredito mais ou menos isso…
    valew

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  • 4. Violência Gratuita (Rafael) « fora de foco  |  3 setembro, 2008 às 8:13 pm

    […] o excelente ator Ulrich Muhe, de A Vida Dos Outros.  O diretor austríaco Michael Haneke (Cachè, A Professora de Piano) dessa vez dirige Naomi Watts (Ann), Tim Roth (George), Michael Pitt (Paul), Brady Corbet (Peter) e […]

    Responder
  • 5. Marie  |  4 setembro, 2008 às 2:22 pm

    caaara, to morrendo de vontade de assitir!!

    ~ bem escrito ;]
    =**

    Responder
  • 6. funny games « blog do daniel  |  10 janeiro, 2009 às 9:27 am

    […] o excelente ator Ulrich Muhe, de A Vida Dos Outros.  O diretor austríaco Michael Haneke (Cachè, A Professora de Piano) dessa vez dirige Naomi Watts (Ann), Tim Roth (George), Michael Pitt (Paul), Brady Corbet (Peter) e […]

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