Violência Gratuita (Rafael)

Violência Gratuita (Funny Games), 2007, Áustria/Estados Unidos, Michael Haneke.

Entre o verde das árvores de um lado e o azul enegrecido das águas do lago do outro, uma lancha desliza pelas estradas da rodovia levada por um carro que, calmamente, percorre a pista. Dentro do automóvel, o casal Ann e George sorriem em companhia do filho Georgie, ao som de uma bela sinfonia.  De repente, a voz doce e os violinos da música dão lugar a gritos histéricos e doloridos, um baixo furioso e uma bateria de hardcore.  Os sorrisos e as feições sossegadas da família dentro do carro, no entanto, permanecem iguais: estão indo passar as férias na casa de campo.  As férias mais “divertidas” de suas vidas.

A versão de 2007 de Violência Gratuita é um remake da versão original do filme, produzida 10 anos antes, em 1997. As cenas são as mesmas, o diretor é o mesmo, as proporções dos cenários também. O que muda na nova versão é o elenco de atores e algumas assinaturas na equipe técnica. No filme de 97, por exemplo, quem interpretou George foi o excelente ator Ulrich Muhe, de A Vida Dos Outros.  O diretor austríaco Michael Haneke (Cachè, A Professora de Piano) dessa vez dirige Naomi Watts (Ann), Tim Roth (George), Michael Pitt (Paul), Brady Corbet (Peter) e outros.  A nova versão de Violência Gratuita possibilitou uma melhor distribuição e produção do filme, que, aliado também ao crescimento do cinema do Velho Mundo, aumentou a visibilidade da película no circuito internacional.

Paul e Peter – interpretados por Michael Pitt e Brady Corbet, respectivamente – são primos. A uma primeira análise, temos a visão de dois simpáticos, bem cuidados e belos garotos, tanto um como o outro trajando roupas plenamente brancas e comedidas. De tão educados que são, chegam a causar certa estranheza e perturbação – e, logo no início do filme, veremos que farão por merecer tais sensações. Os dois estão hospedados na casa vizinha e resolvem então fazer uma pequena visita aos recém chegados Ann, George e Georgie, usando como pretexto para isso a necessidade de alguns ovos emprestados. E a partir daí, sem que percebam, a família passa a participar dos divertidos, cruéis e sádicos jogos da dupla.

E é também a partir daí que o diretor austríaco Michael Haneke, mais uma vez, pega com agressividade nos cabelos de nós, espectadores, e nos obriga a ficar em frente ao espelho. E o reflexo vislumbrado não será muito diferente do dos dois jovens perturbados: somos sádicos, sedentos pelo sangue que jorra das telas dos filmes, jornais e quadrinhos. Voyeuristas da violência produzida pela mídia. Em uma das cenas, o pai George pergunta: “Por que não nos mata logo?”. Paul, com um sorriso no canto da boca, responde: “Você não deve esquecer a importância do entretenimento”. Violência Gratuita, portanto, não é propriamente uma crítica às mídias que têm seu conteúdo manchado de sangue, mas à humanidade, que se deleita com tudo isso.  Em outro grande momento do filme, Paul vira para a câmera e diz: “O que você acha? Acha que eles têm chance de ganhar? Está do lado deles, não é?”. Os dois jovens e o espectador, portanto, longe de serem diferentes, são cúmplices de tudo que está acontecendo.

A fotografia sóbria de Violência Gratuita condiz com a aparência dos cenários: pacato e calmo. A trilha sonora é composta por sinfonias e a música que inicia e encerra, do grupo norte-americano Naked City, um dos projetos do saxofonista John Zorn. Outro fator relevante em Violência Gratuita é a interpretação dos atores. No entanto, Naomi Watts (Cidade dos Sonhos) fazendo o papel de Ann e Michael Pitt (Os Sonhadores) interpretando Paul se destacam entre o elenco. As feições de Ann, que misturam dor, medo e pavor, provoca as mesmas sensações em quem a vê. Já Michael Pitt soube bem incorporar um dos personagens mais perturbados do cinema – talvez justamente pelo fato de Paul ser tão parecido com as pessoas que vivem ao nosso redor.

As digitais de Michael Haneke estão por todo o filme: câmeras fixas que permanecem assim durante minutos, mesmo que nenhuma ação esteja ocorrendo, a violência emocional e não física – ou seja, é o que foi imaginado pelo espectador que choca, e não o filme em si -, a manipulação. Haneke, a todo momento, tenta perturbar e cutucar quem está do outro lado da tela. Mais uma vez consegue, e mais uma vez, com maestria.

Shall we begin?

3 setembro, 2008 at 8:10 pm 8 comentários

Cidade Tranqüila (Filipe)

Jamie chega no Brooklyn para se encontar com sua amiga Samantha. Como não consegue falar com a mesma, pede a um estranho que lhe indique o caminho do restaurante onde elas marcaram para se encontrar. O estranho se chama Charlie e acaba acompanhando a moça até o restaurante. Algumas horas depois Samantha não chega e eles decidem passar o tempo em que Jamie vai ficar na cidade se conhecendo.

O diretor Aaron Katz faz praticamente um pastiche de Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol, de Richard Linklater. Até o roteiro é assinado juntamente pelo diretor e pelos protagonistas. Mas ao contrário dos filmes de Linklater, Cidade Tranqüila não tenta se utilizar apenas no roteiro para ser bom, mas também faz com que a cidade tome forme de personagem. E o diretor consegue isso com louvor. O problema é que a cidade é tranqüila (aliás, Nova Iorque tranqüila? Tá, é um filme, releve) e não acontece nada nela e, por tabela, também não acontece nada no filme. Jamie e Charlie ficam andando de um lado para o outro, falando o que qualquer um falaria nessas situações (e se por um lado o filme parece verossímil, por outro é bastante entediante você prever todos os diálogos).

Cidade Tranqüila é a prova de que pode-se dizer que um filme é verossímil, que o cenário toma ares de personagem, que o roteiro faz com que você se sinta no meio da história e mesmo assim o filme ser fraco.

4 julho, 2008 at 9:48 am Deixe um comentário

Estômago (Filipe)

Filme brasileiro do estreante em longas de ficção, Marcos Jorge. O filme conta com João Miguel no papel principal e devo confessar que o que mais me interessou no filme foi a sua presença (adorei a sua atuação em Cinema Aspirinas e Urubus). Aqui ele interpreta Raimundo Nonato, um rapaz do interior do nordeste que vai viver na cidade grande. Acaba indo num bar, comendo alguma coisa, mas como não tem dinheiro para pagar, passa a noite no bar lavando pratos. No outro dia o dono lhe oferece comida e um quarto para ele dormir em troca de Raimundo trabalhar como cozinheiro por lá. Paralelo a isso, mostra a vida de Raimundo na prisão, onde ele cozinha para os companheiros de cela. A história do filme se deselvolve para mostrar a causa de Raimundo ter sido preso.

Devo dizer primeiramente que se eu achar outro filme com o João Miguel, ele continuará sendo o principal motivo por eu assistir. Ele coloca o filme no bolso. E quando o personagem muda de personalidade durante o filme, João Miguel acompanha com louvor. E no filme ainda aparece um sósia de Laurence Fishburn.

O roteiro de filme é cheio de sacadas bem feitas com relação aos diálogos dos personagens e ações posteriores. Tudo bem amarradinho, um brinco! Além de ser um filme bem engraçado, principalmente com as críticas ao sistema penitenciário. Como quando os presos recebem um outro bandido que foi transferido com um baita banquete na cozinha principal

A direção dá umas boas sacadas no início nas cenas em que Raimundo está cozinhando, onde passam cenas em câmera lenta, com câmera bem próxima e uma música embalando a sensação de glamour que é cozinhar. Mas ao mesmo tempo, o diretor “deixa escapar” as unhas sujas de Raimundo, as ferrugens nas panelas e coisas do tipo, criando esse contraponto. Ou nas cenas em que aparecem os pratos feitos por Raimundo, embalados por uma bela música. Pena que o diretor abusa dos recursos, deixando-os desgatados ao final da projeção.

4 julho, 2008 at 9:46 am Deixe um comentário

A Professora de Piano (Rafael)

Pôster

A Professora de Piano (La Pianiste), 2001, França/Áustria, Michael Haneke.

Antes de tudo, imagine uma professora de piano.

Qual imagem sua imaginação produz e a quais palavras seu cérebro remete? Muito provavelmente, a visão gerada será a de alguém elegante, de meia-idade, cuidadosamente bem vestida, transbordando sobriedade e educação, envolta em uma atmosfera de bons costumes e classicismo. Mas se o que você imaginou foi uma mulher extremamente perfeccionista e retraída, asfixiada por seus desejos reprimidos e pela mãe controladora, e que sente prazer ao cortar seu próprio órgão genital com uma navalha, então: 1) você já assistiu A Professora de Piano; 2) a professora com a qual você tomava aulas há alguns atrás é, digamos, um tanto quanto diferente do habitual.

A descrição acima feita é um resumo breve da personagem Erika, interpretada magnificamente por Isabelle Huppert, protagonista do sexto filme do diretor austríaco Michael Haneke. A Professora de Piano foi lançado no ano de 2001 com uma produção franco-austríaca (o filme é falado em francês). O roteiro do longa tem como base o livro homônimo da escritora Elfriede Jelinek, a qual em 2004 foi premiada com o Prêmio Nobel de Literatura. Em diversas vezes, diretor e respectivo elenco do filme subiram em palcos europeus para receber prêmios importantes de cinema: BAFTA, César, Festival de Cannes, entre outros.

Música clássica, voyeurismo, ciúmes, castração materna, repressão sexual, parafilias etc. Está tudo lá. A Professora de Piano é um procedimento cirúrgico que tem como objetivo dissecar a vida da personagem Erika Kohut, uma das professoras de piano do Conservatório de Viena. Durante a cirurgia, executada friamente pelas mãos do Haneke, visceras e pensamentos reprimidos no sub-consciente ficam bem visíveis aos nossos olhos. Além de Erika, há mais dois personagens importantes: Walter Klemmer (Benoît Magimel), um talentoso e simpático estudante que parece ser seduzido pela severidade do olhar de Erika, e a mãe da professora (Annie Girardot), senhora que parece substituir a ausência do marido por possessividade para com sua filha, tratando-a como uma garota de 12 anos e mantendo com ela uma relação de amor e ódio levada ao extremo de ambos os lados.

Para o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, “Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é”. Erika Kohut leva tudo issso ás últimas consequências. Incesto, mutilar a própria vagina, urinar observando casais transando, ser espancada e se submeter a situações humilhantes é o que causa prazer à professora de piano. Erika, assim como todos nós, somos produtos de uma sociedade que idolatra e ao mesmo tempo condena o sexo. É como o Deus cristão, segundo o Diabo interpretado por Al Pacino: “olhe mas não toque; toque mas não prove; prove mas não engula”. Haneke, durante o filme, não faz qualquer tipo de juízo moral em relação ao comportamento de Erika, muito menos provoca o espectador a fazê-lo. Os questionamentos e as feridas cutucadas, ao menos em mim, foram outras: de quem é a culpa pelo desvio sexual de Erika? Se há um culpado, seria Erika vítima de algo? Não seria o sexo através de suas formas mais tradicionais também um “desvio”, já que biologicamente a relação sexual tem como função primordial a reprodução humana? Mas sentir prazer e dor não deveriam ser sentimentos conflitantes para uma pessoa mentalmente saudável? Ad infinitum…

A trilha sonora, acompanhada por uma fotografia sutil e seca, é composta por compositores eruditos, citados diversas vezes durante o longa, destacando-se Schumann, Bach e Schubert. Isabelle Huppert, na pele da personagem-título, tem uma atuação impressionante, sem dúvida nenhuma uma das melhores interpretações femininas que o cinema já presenciou. A personalidade retraída de Erika exigiu ainda mais da atriz, pois ela tinha que se comunicar muitas vezes usando apenas suas expressões faciais. Outro fator que deve ter dificultado bastante o trabalho de todo o elenco são as longas tomadas e com poucos cortes de Michael Haneke, que obriga o ator/atriz a manter-se concentrado por mais tempo.

O diretor austríaco mais uma vez merece palmas. Sua formação em Psicologia explica muita coisa sobre sua maneira de dirigir. O cinema de Haneke é provocativo, contundente, violento. No entanto, a violência dos seus filmes não se encontra no filme em si, mas na indução da imaginação do espectador. Aqueles que não assistiram aos outros filmes do diretor (Caché, Código Desconhecido, Violência Gratuita etc.) talvez estranhem seu modo seco e contundente de dirigir e o final em aberto. Mas, tratando-se de Haneke, “estranhar” pode ser uma experiência fantástica.

“Professora, relaxe, permita-se ter sentimentos ao menos uma vez”.

9 abril, 2008 at 12:39 am 6 comentários

Obrigado por Fumar (Filipe)

Obrigado por Fumar

Título Original: Thank You For Smoking

Diretor: Jason Reitman

Elenco: Aaron Eckhart, Katie Holmes, Robert Duvall, JK Simons

Ano:2005

ATENÇÃO: essa é uma análise crítica da idéia do filme, não vou falar dos méritos de deméritos dele, mas analisar a idéia. Por isso também pode conter spoilers, leia se já assitiu.

A escolha é sua?

“Escolha uma vida. Escolha uma profissão. Escolha uma carreira…” Em uma tradução livre de uma passagem do filme Trainspotting, dá para ilustrar de que uma vida é feita de escolhas. Entre tantas, uma delas é abordada em outro filme, Obrigado por Fumar.

“Fumar ou não fumar?” Cabem a cada um suas próprias escolhas. Existem propagandas a favor dos cigarros e contra, a população está mais que conscientizada sobre os males ao fumante. Além do que, o cigarro faz mal à saúde, mas faz a pessoa relaxar, um mal contra um bem, cabe a cada um escolher o que prevalece.

Com isso em vista, a crítica ácida do filme Obrigado por Fumar tem o mérito de abordar ambos os lados, sem acabar defendendo nenhum. Aliás, o protagonista, Nick Naylor, por mais absurdas que possam ser as intenções de seus comentários, usa argumentos que por muitas vezes ficam martelando a mente, “realmente, ele tem razão nisso”.

Em uma cena do filme, Nick Naylor vai a uma escola falar “sobre o cigarro”. A diretora acredita que favoravelmente, já que o seu filho estuda na classe e ela desconhece a vida de Nick. Em um dos melhores diálogos uma criança diz que não fumava porque a mãe diz que é ruim e Nick retruca perguntando se ela deixaria de comer chocolate se a mãe dissesse que faz mal. Um argumento pertinente que logo é abafado pela diretora da escola dizendo que aquela conversa havia acabado, seria mais fácil ela fazer isso do que tentar discutir. Essa cena mostra o falso puritanismo da sociedade, as pessoas não podem fumar porque faz mal, mas refrigerante, chocolate, carne gordurosa, tudo isso faz mal e ninguém vai contra.

Mas ainda, segundo Nick, é difícil argumentar a favor de algo que mata mais acidente de carro ou guerras. Tanto é verdade que nunca ele tenta dizer que o cigarro não faz mal, mas sim tenta cobrir o lado ruim com as vantagens, sempre seguindo a sua filosofia de “se você sabe argumentar, você nunca estará errado”, o que é realçado a cada segundo no filme.

Porém, ao mesmo tempo em que Nick precisa argumentar a favor do cigarro, ele precisa educar seu filho, que vê o pai como um herói. O protagonista cai para o caminho fácil: ao invés de ensinar o filho a argumentar a favor dos cigarros, ele ensina a argumentar. E só toca no assunto filho e cigarro quando é abordado no fim do filme, quando ainda hesita um pouco, mas responde que se o filho realmente quisesse, Nick compraria a primeira carteira.

Em mais uma parte inspirada do filme, em uma reunião da empresa onde Nick trabalha, ele diz que um dos maiores problemas da queda de vendas do cigarro é o cinema. Como falam no filme, quem consegue desvencilhar a imagem de alguns atores antigos do cigarro? Humphrey Bogart dando uma baforada ou Audrey Hepburn com toda classe segurando um cigarro. Já hoje não se imagina Tom Cruise ou Nicole Kidman fumando.

Porém o ponto alto do filme é o final, quando o “Grupo da Morte” formado por Nick, um representante de armas e uma representante de bebidas recebe mais integrantes. Um representante de produtos alimentícios, um agente de viagens… Você pode morrer de incontáveis maneiras, o cigarro é só uma delas.

4 abril, 2008 at 9:05 pm 2 comentários

Cinema Paradiso (Filipe)

Cinema ParadisoTítulo Original: Nuovo Cinema Paradiso

Diretor: Giuseppe Tornatore

Elenco: Philipe Noiret, Salvatore Cascio, Jacques Perrin

Ano:1988

 

Dando uma segunda olhada na capa do DVD de Cinema Paradiso, leio a seguinte frase “Um dos melhores filmes de todos os tempos”, justamente a frase que eu pensei em usar para começar essa crítica. Então esqueçam esse parágrafo e a crítica vai começar agora:

Um dos melhores filmes de todos os tempos. Sabe aqueles filmes que você ri e chora feito bobo durante toda a projeção? Sabe aqueles filmes que podiam ter o pior final do mundo que você aplaudiria (não é esse o caso, muito pelo contrário)? Sabe aqueles filmes que já na metade você tem certeza que está tendo uma das melhores experiências de sua vida? Dá para se contar nos dedos a quantidades de filmes assim. Guarde um dos dedos para Cinema Paradiso.

O filme começa e logo vemos duas mulheres tentando desesperadamente fazer uma ligação telefônica. Logo depois um homem deita na cama e recebe a notícia de sua mulher de que Alfredo morreu. Um flashback e começamos a acompanhar a história do garotinho Totó, do projecionista de filmes, Alfredo, e do Cinema Paradiso, onde ambos se conhecem e passam a maior parte do tempo.

Roda em tom de fábula, Cinema Paradiso é uma das melhores homenagens que o cinema pode ter. Em algumas cenas mais poéticas (aliás, erro meu, cada minuto do filme soa como poesia) podemos ver pessoas deixando de fazer coisas para ir ao cinema, como um casal fazendo sexo no cinema e uma mulher amamentando um bebê. Totó é um garoto apaixonado por cinema e sempre que pode (e sempre que não pode também) procura passar seu tempo no cinema, mais precisamente na sala de projeção, junto com Alfredo.

Aliás, se o filme tem algo de absolutamente lindo, é a relação entre Totó e Alfredo. Os seus intérpretes (Salvatore Cascio e Philippe Noiret, respectivamente) dão um verdadeiro show de atuação. Salvatore, mesmo com 9 anos na época, esbanja um carisma incrível para alguém de sua idade (e lembrem-se que gente como Abigail Breslin, Dakota Fanning, Haley Joel Osment e Macaulay Culkin surgiram com idades parecidas) e se mostra sempre curioso com tudo durante o filme e basta pensar sobre cinema que seus olhos começam a brilhar, ele parece viver um sonho eterno. Já a personagem de Philippe Noiret representa o contraponto, sempre arrependido de seu passado, vê a sua profissão como um ganha pão e não hesita dizer que ele é o único idiota que poderia aceitar um trabalho escravizante como aquele, mesmo que ainda tente achar algum sentido naquilo tudo.

O diretor e roteirista Giuseppe Tornatore, acho que nem preciso dizer, faz um belíssimo trabalho em suas duas funções. Um roteiro maravilhoso e corajoso, que se atreve a quebrar algumas vezes o tom de fábula da história só para mostrar, logo depois, que isso já é impossível em tal ponto do filme. Além disso, o final (ah o final), quando pensamos que não pode ficar melhor, chega o final do filme onde cada segundo vai ficar marcado na memória de quem assistir. A verdadeira ode ao cinema! A verdadeira poesia colocada na frente dos olhos. Você esquece o mundo do seu lado, só tem olhos para a tela.

E se ainda falta a cereja do bolo, ela se chama Ennio Morricone. Sim, aquele cara que fez aquela música de faroeste. De novo, nem preciso dizer que ele é um gênio e fez uma trilha igualmente genial. E se John Williams faz os temas mais grudentos no ouvido, Morricone faz os mais belos, e este não foge à regra.

Nem sei mais o que escrever na conclusão. Talvez um “assista já”!

19 março, 2008 at 7:42 pm 2 comentários

A Vida Dos Outros (Rafael)

A Vida Dos Outros (Das Leben der Anderen), 2006, Alemanha, Florian Henckel von Donnersmarck.

2:54 da tarde. Faltam 6 minutos para o início da sessão 9 no cinema quando aperto o botão do elevador. Os cabos de aço impedem a queda livre enquanto o olho da câmera de segurança observa atentamente meus movimentos. Para Benjamin Franklin, “aqueles que abrem mão da liberdade por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança” – nada que já não saibamos e ignoramos. Abro o portão e então, observado pelos olhos negros de outra câmera, saio da minha ilusão de segurança para ir ao encontro da concreta falta dela.

Faltam 3 minutos para o início da sessão 9 no cinema quando as luzes do Sol estão rachando minha pele e derretendo meu cérebro. Após alguns minutos caminhados substituo calor, buzinas e bate-estacas por frio artificial e sussurros de conversa. Pessoas sem rosto caminhando apressadamente com um pouco de suas vidas depositadas em sacolas. Na fila do cinema, olho para trás e vejo um cartaz com a figura de um homem de feição rígida a olhar com penetração para um ponto desconhecido. Já dentro da sessão, é interessante notar a sensação de que todos são culpados até que se prove o contrário, solitárias cadeiras vazias separando pessoas de outras. Passaram-se 3 minutos para o início da sessão 9 no cinema quando percebo que o trailer do novo filme do Gus Van Sant impediu que eu perdesse os momentos iniciais de A Vida Dos Outros.

O filme alemão vencedor do Oscar de Melhor Estrangeiro em 2007 tem a assinatura na direção e no roteiro de Florian Henckel von Donnersmarck, sendo esse o seu segundo filme. Misturando ficção e realidade histórica, A Vida dos Outros faz um relato da fictícia Operação Lazlo, tendo como contexto a Alemanha Oriental de 1984 – as semelhanças entre o filme e o livro do George Orwell não se limitam à data em que se passa o enredo. Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é um dos investigadores da Stasi, a polícia política da República Democrática Alemã. Wiesler, indicado pelo capitão Anton Grubitz (Ulrich Tukur), torna-se responsável pela espionagem da vida do dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Coch), utilizando-se para isso de câmeras secretas e escutas espalhadas por toda a residência do escritor. O objetivo da investigação é de encontrar qualquer resquício de subversão ou aversão ao regime socialista na vida de Georg Dreyman.

Em relação à interpretação do elenco, Ulrich Mühe se destaca. A frieza e a aparente falta de sentimentos do investigador da Stasi é muito bem interpretada pelo ator, apresentando durante o filme uma feição rígida e dura. Em nenhum segundo sequer é possível ver na expressão de Gerd Wiesler qualquer tipo de sorriso, o cara é quase um Robocop “socialista” sem sentimentos criado pela Stasi.

O aspecto técnico do filme funciona mais como plano de fundo para o ótimo enredo. Os diálogos cheios de entrelinhas são um dos pontos fortes. Em uma sociedade marcada pela censura, qualquer palavra dita pode ser usada pelo Grande Irmão como prova de um crime. Já a direção de Florian Henckel é caracterizada pela sobriedade e o uso de câmeras fixas, nada que fuja do convencional – o que, no entanto, não é exatamente um fator negativo. Outro ponto forte do filme é sua fotografia pesada e azulada, assinada por Hagen Bogdanski, a qual encaixou-se muito bem com o inverno de Berlim Oriental. Evito nesse texto qualquer análise ou divagação acerca do conteúdo temático do filme por poder ser extremamente prejudicial para aqueles que ainda não o assistiram. Limito-me a dizer que a película perpassa por temas com uma enorme naturalidade: ascensão e queda do “socialismo”, cumplicidade, falta de privacidade, esperança, voyeurismo etc. É mais um grande filme alemão.

Passaram-se 133 minutos para o início da sessão 9 no cinema quando A Vida Dos Outros anuncia seu fim. É emocionante observar as luzes clarearem a sala enquanto sobe a trilha sonora do filme. Mantenho-me alguns segundos sentado na cadeira, ainda submerso em outra atmosfera. Junto com outras pessoas, me levanto. Todos caminhando vagarosamente, com olhos cheios de cumplicidade, como se estivéssemos em comunhão espiritual após passar por uma experiência única juntos. Saio da sala e ao olhar para o lado me deparo com a senhora que se sentava na cadeira à direita da minha. Nossos olhos cheios de ternura, de raiva e esperança, e a certeza de que, mesmo que por algumas horas, o olhar do outro refletia um mesmo sentimento: odiávamos o Grande Irmão.

9 março, 2008 at 11:15 pm 4 comentários

Lars and the Real Girl (Filipe)

Lars and the Real Girl

Título Original: idem

Diretor: Craig Gillespie

Elenco: Ryan Gosling, Emily Mortimer, Paul Schneider

Ano: 2007

 

Lars é mora em uma pequena cidade americana, ele é vizinho de seu irmão e sua cunhada. Mesmo sendo querido por todos, Lars é uma pessoa solitária e devido a isso, ele encomenda uma boneca (não inflável, mas quase isso, uma sex doll, de silicone) a quem dá o nome de Bianca (por sinal, ela é de origem meio brasileira e meio dinamarquesa). Seu irmão e cunhada logo o levam à uma psicóloga, mas essa diz que o problema de Lars vai passar com o tempo e enquanto isso, todos (inclusive o povo local) terão que fingir que Bianca é de verdade para não piorar a situação.

Mas a magia do filme foi uma sacada de gênio da roteirista Nancy Oliver (aliás, primeiro trabalho dela para a telona): o rótulo de comédia do filme já está na sinopse, então não é necessário colocar piadinhas durante o filme, que acaba se tornando um drama dos melhores (por mais incrível que pareça). Acredite, não existe sequer uma piada no filme, a não ser a da boneca, o que acaba o tornando uma comédia romântica mais profunda que o normal.

O diretor Craig Gillespie só tem esse e mais outro filme no currículo (Em Pé de Guerra, seu primeiro longa), mas já se mostra um diretor com personalidade. Ao invés de partir para o óbvio e fazer uma direção mais cômica, ele mantém a proposta mais delicada do roteiro (insisto, se você tirar todas as falas do filme, não dá para perceber que é uma comédia) e também faz uma direção delicada. E, como já citei, Nancy Oliver fez um belo trabalho no roteiro, com diálogos bem afiados (e foi reconhecido pela academia, com uma indicação ao Oscar).

Já Ryan Gosling com certeza figura no top 5 dos melhores atores que não são muito falados. Já fez pérolas desconhecidas como A Passagem e Half Nelson (indicado ao Oscar por esse), em ambos muito bem, e nesse seu novo filme continua com sua ótima forma. Outra que está muito bem é Emily Mortimer (talvez seja mais conhecida de Match Point). Como a cunhada de Lars, na maior parte do filme (em que ela finge para Lars que Bianca é de verdade) parece estar meio impassível, mas quando a sua personagem realmente mostra seus verdadeiros sentimentos, dá para perceber que, como uma pessoal normal, ela finge mal que Bianca é de verdade (esse é o grande trunfo de sua ótima atuação, fazer uma má atuação).

Um ótimo filme que vai passar despercebido por ser uma comédia mais elaborada que o normal (e olha que o filme nem é tão complexo assim). Conta com um ótimo elenco e uma roteirista e diretor que pensam juntos (a parte mais importante de um filme).

8 março, 2008 at 6:32 pm 3 comentários

A Leste de Bucareste (Fernando)

a_leste_de_bucareste.jpg

Cornelius Porumboiu, A fost sau n-a fost?, Romênia, 2006.

E se um dia descobríssemos que Vargas não apontou serenamente um revólver nem escreveu uma carta-testamento em caligrafia impecável? E se nos fosse revelado que as Diretas não nasceram do grito do povo, mas de alguns pauzinhos mexidos em gabinetes fechados a sete chaves? E se constatássemos que ainda somos os mesmos e a história não mudou de rota, mesmo após a ocorrência de fatos aparentemente tão imponentes? De forma bem humorada, é esse o questionamento que A leste de Bucareste propõe ao espectador.

Demonstrando a força atual do cinema romeno, o filme, lançado em 2006 pelo cineasta Cornelius Porumboiu, venceu a Câmera de Ouro no mesmo ano em Cannes, prêmio concedido a diretores estreantes. O filme relata o encontro de três cidadãos no dia 22 de dezembro de 2005 – 18 anos após a derrubada do ditador comunista Nicolae Ceausescu – que se reúnem em um programa local de televisão para responder à seguinte questão: houve ou não houve uma revolução espontânea promovida pelo povo de uma pequena cidade na Romênia?

O filme se divide em duas partes. Na primeira, somos apresentados aos três protagonistas. Aos poucos vamos descobrindo um pouco sobre suas personalidades: o professor Manescu, convidado para participar da discussão sobre a revolução, é um alcoólatra e vive constantemente rodeado de credores. O apresentador e dono da emissora de TV, Jderescu, é um pseudo-intelectual, que busca na enciclopédia frases famosas para citar – de maneira infeliz, diga-se de passagem – em seu programa. O senhor Piscoci, talvez o mais engraçado dos três, é conhecido localmente por ter se vestido de Papai Noel em dezembros passados.

A segunda parte da estória é toda preenchida pela exibição do programa de televisão. A câmera do filme se confunde com a da TV e, pelo menos nos próximos 30 minutos, vemos uma conversa desinteressante e desinteressada sobre os acontecimentos de 89. É a oportunidade ideal para que o diretor acrescente um tipo de humor lânguido e corrosivo. Através das ligações de alguns telespectadores irritados, inclusive de um ex-agente da Securitate (a polícia secreta romena), a pequena cidade contesta veemente a versão de Manescu de que ele e alguns amigos, heroicamente, teriam feito girar a roda da história. Eles estão estacionados no tempo e, por isso, Jderescu impede que sejam tocadas músicas latinas ou realizados movimentos de câmera na mão na grade de programação da sua TV.

Tecnicamente, o filme é simples. Sem uma fotografia deslumbrante ou virtuoses, o enredo bem contado é que confere vivacidade à película. Aos poucos, A leste de Bucareste também relata um pouco do cotidiano do povo romeno. O humor sutil e destrutivo, aliado às cores desgastadas, reforçam a idéia de um país que ainda busca a sua própria identidade. Quando os alunos de Manescu escolhem a Revolução Francesa como tema da prova não é por acaso, afinal, nada pode ser tão desinteressante como sua própria história.

Pouco interessado em reconstruir com fidelidade os aspectos históricos da ruptura que derrubou o então ditador Nicolae Ceausescu, A leste de Bucareste tenta muito mais ironizar a utopização dos movimentos sociais e demonstrar que as pessoas estão muito mais interessadas em comprar presentes de natal do que necessariamente comemorar aquilo que, supostamente, deveria ter mudado o curso de suas vidas. Portanto, o cinema de Porumboiu é diametralmente oposto ao de Ken Loach ou de Costa-Gavras, em que as imagens na tela são praticamente preenchidas por indivíduos conscientes do coletivismo e da politização das relações sociais. Não é que os romenos não tenham consciência da revolução, mas é que para eles parece não ter muito significado. Apenas uma data, que pode até ter deixado suas marcas – certamente não tão grandiosas como contam os livros de História.

6 março, 2008 at 12:56 pm 4 comentários

Sangue Negro (Filipe)

Sangue Negro

Ainda em ritmo de Oscar, se um prêmio foi merecido e não tinha nem como a Academia escolher outro vencedor, foi o Oscar para Daniel Day-Lewis. E ainda digo mais, se houvesse um Oscar de todos os tempos, ele muito provavelmente estaria entre os indicados. Ainda sobre os prêmios, devia ter levado Melhor Filme. Onde os Fracos Não Têm Vez é um ótimo filme, mas Sangue Negro vai além: é um ótimo filme e é a consolidação de uma promessa como um diretor de ponta. Paul Thomas Anderson desde já é um dos grandes nomes de sempre nas listas de diretores.

Daniel Day-Lewis é seu xará, Daniel Plainview, um magnata do petróleo do início do séc. XX. Do seu próprio esforço (e sorte), Daniel começou a cavar poços de petróleo e logo se tornou rico. À primeira vista, Daniel quer o bem dos seus empregados, tratando-os como se fossem seus amigos. Porém Daniel logo vai revelando sua outra face, a de um dono de um negócio que na verdade não dá a mínima para os empregados (a não ser que dar a mínima signifique algo bom para o seu negócio), sempre adotando uma expressão passiva (mesmo que tente mostrar atitudes contrárias a essa expressão) mesmo quando um empregado morre.

A magia da atuação de Daniel Day-Lewis é seu olhar sempre fixo e na altura dos olhos de quem ele fala (reparem como ele se inclina ao falar com uma garotinha), sobrancelhas sempre arqueadas e uma voz bastante amigável, Daniel consegue enganar até mesmo o espectador. Mas quando necessário, a sua expressão de raiva é de assustar qualquer um. Se for para resumir a atuação dele com uma cena, fico com o close dele se redimindo dos pecados onde ele alterna expressões de humilhação, ódio e satisfação com impressionante fluidez.

Mas por mais maravilhosa que seja a atuação de Daniel Day-Lewis, não podemos nos esquecer de tantos pontos positivos que o filme tem. Para finalizar a parte de atuações, Paul Dano se consolida como uma das mais promissoras revelações de Hollywood.

O roteiro também é um dos pontos que tornam Sangue Negro uma experiência maravilhosa. Desde os primeiros 15 minutos de filme em total silêncio, passando pelos diálogos ácidos e cheios de farpas entre Daniel Plainview e Eli Sunday (Paul Dano) até a carga de ambigüidade da frase final, o roteiro é bastante preciso. Os discursos de Daniel para mostrar a sua “bondade” com seus empregados mostram-se muito bem estudados pelo protagonista antes de serem cuidadosamente proferidos.

Sangue Negro é definitivamente a melhor experiência cinematográfica de 2007 e mais um acerto na filmografia de Paul Thomas Anderson, além de nos mostrar um dos mais fascinantes personagens do cinema encarnado por um igualmente fascinante ator.

2 março, 2008 at 3:04 pm 3 comentários

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